Post Fifty Two - Acapaína Apocalispe [Conto]

Acapaína, Apocalipse
Marcel Scognamiglio de Campos Lourenço
Prólogo
Mario ama Maria.
No Brasil, os maiores trambiques vêm da política safada e descarada, isso não é segredo. No entanto, por todo o país nem mesmo todos os prejuízos e as grandes facetas de picaretas somadas nos remetem aquele vinte e cinco de fevereiro.
Salve, Salve o Rei do samba que já dizia.
“Malandro é malandro e Mané é Mané. Pode crer que é.”
Um – O Rio. Um par de óculos. A safadeza.
É carnaval meu rei e Mario está completamente apaixonado por Maria. Aposto com qualquer um que se a paixão dependesse de um bom homem merecedor, Mario estaria feito.
É que, já desde bem pequeno o rapaz tinha uma tendência de bom cordeiro, apesar do bom berço. Aos seis ou sete desenvolveu o dom que tanto alegrou seu doente pai. A memória de Mario funcionava como uma sagaz máquina de fotografia, o velho Joaquim, seu pai, logo pensou em como aquele dom poderia servir sobre os panos da profissão em que se aposentou. A engenharia civil. Logo planejou todo o futuro de seu filho, que, sem muito brilho por trás daqueles óculos quadrados foi só acenando “sim” com a cabeça.
O fato é que em plenos anos noventa, morando ao lado de Ipanema durante aquele “fuá” que nas vésperas do carnaval, Mario não conseguia nem dormir em paz, então resolveu sair com seu velho amigo Jonas. Mario é um nerd sem nada a tirar, passa os primeiros vinte anos da sua vida sem uma sequer mulher, diferente de Jonas, ou melhor, o oposto.
- Saca só essa ginga pra pular carnaval, não vejo a hora! E olha lá que eu nem virei essa caneca do “mengão” goela a baixo ainda, ein? – Jonas soltava entre os dentes enquanto remexia o quadril feito uma seriema bêbada.
- Você vai beber isso mesmo? – uma voz insegura, e muito curiosa saia da boca de Mario - O que tem ai, afinal?
- É uma mistura só, devia experimentar rapaz! Que tal? – Jonas estendeu o braço.
- Prefiro minha coca-cola. – Mario arrumou os óculos no centro do nariz e centrou a visão num ponto fixo, como sempre fazia quando se sentia intimidado.
- Tu é um escroto mesmo meu irmão, eu duvido que não caia nas graças de uma rapariga hoje, seu cu de ferro!
Um imenso bloco de carnaval se aproximava, eles se perderam na multidão. Era tudo em exagero, pensava Mario.
Som demais, alto demais, muitas musicas ao mesmo tempo, uma poluição sonora! Pessoas demais, todas suadas, exalando todo odor de um dia ingerindo muito álcool e sabe se lá Deus mais o que. Homens demais, quase todos cambaleando, cantando a musica do trio elétrico que seguiam, mas errando toda a letra. Mulheres demais... Uma mulher. Quem é essa?
Dois – A Carta de Maria
Na sétima série Jonas e Mario, se encontraram em um grande e tradicional colégio do Rio, um colégio caro, bem caro. Naquele mesmo ano mágico letivo, Jonas não sossegou até beijar todas aquelas adolescentes cheias de heranças. Tarefa não muito difícil, já que todas suspiravam pelo rapaz belo e galante. As que não suspiravam na primeira, seu poder de persuasão dava conta no segundo tempo da partida. Mario, por sua vez, não sossegava até conseguir aprovação total em todas as disciplinas. A relação de Mario e Jonas sempre foi de admiração e humilhação, no entanto, Mario nunca fez nada para que isso mudasse. Aquele velho e agradável ato servil.
O olhar de Mario não estava fixo á toa dessa vez. Ele viu a morena mais linda que suas retinas com miopia já haviam visto em seus vinte anos pelas ruas históricas da cidade maravilhosa. Era Maria, mal sabia ele que fazia faculdade no mesmo prédio que ela, saberia quem sabe, se saísse de seu alojamento para outro lugar que não fosse para sua sala de aula ou para a grande e centenária biblioteca municipal. Agora lá estava ele, sem sua bomba de asma, despenteado provavelmente, pois seu gel só durava doze horas – duvido que alguém além dele se importe com isso – de frente para a garota dos seus sonhos.
Ela correspondeu ao olhar, Jonas talvez fora encontrar outros amigos, na verdade, Mario nem percebeu. Finalmente um momento a sós! Ela veio em sua direção.
- Quer me ajudar, gatão? – Com todo aquele oferecimento natural, e uma pitada daquele sotaque perigoso.
- Como eu poderia? – Com aquela gagueira que ele não conseguiria imitar nem que tentasse.
- Eu preciso de grana, para mais bebida.
Mario arrumou todo o dinheiro que ela precisou. Dormiu feliz por ter sido útil a alguém, nunca havia sentido isso. Acordou feliz também, ela ligou para o quarto dele na manhã seguinte, eles tomaram café da manhã juntos. Ele tentava de todas as formas ser útil todas às vezes que ela precisasse. Horas depois de vê-la ele já estava apaixonado, dois dias depois queria pedi-la em namoro com toda aquela certeza incerta de um bobo apaixonado.
- Aceito, meu neném! – O que era aquilo? Um avião? Ele quase desmaiou quando ouviu aquilo sair daquela boca que ele nem tinha beijado.
É bem estranho como as coisas acontecem para quem não sabe como se faz as coisas. Mas se tinha algo impossível de entender, era por que Maria não se entediava com aquele mané.
Alguns dias depois, o projeto-de-seu-pai, Mario, caminhava pelo alojamento quando resolveu abrir a caixa de correio de Maria, queria fazer uma surpresa, algo digno de um “Obrigado meu neném”, como ele amava aquilo! Talvez alguém, que não seja um carioca nato não entenda, mas não há nada mais encantador do que uma carioca da gema falando daquela forma.
No fundo da caixa de correio, uma carta, só uma, e era de amor, mas não era dele. Sentiu seu mundo boçal desabar. Chamou Jonas para seu quarto.
Mario ama Maria. Maria recebeu uma carta de amor, uma carta de outro amor que não era Mario.
Os dois amigos passaram a noite tentando entender aquelas palavras confusas rabiscadas na carta. Pareciam palavras sem sentido no fundo, mas era algo romântico. De quem seria? Os ciúmes de Mario eram colossais! Jonas pediu para levar a carta para seu quarto, mas Mario não quis entregar para ele. Os olhos de Jonas começaram pesar lá pelas quatro da madrugada, ele foi dormir Mario não.
Até que, em certo momento, com mente afetada pelo sono, Mario embaçou a visão e sua memória registrou o que mudaria sua vida para sempre.
Todas as primeiras letras das frases formavam: “Ponte Rio Niterói, dia 25 de fevereiro, três da madrugada.”
Três – Mil e um segredos
Rússia, Moscou, No dia anterior.
Muita neve, um grande circo abandonado.
O grupo Jambooloski era mais que um grupo de circo falido em plena crise do socialismo onde circo não atrai mais ninguém por aquelas bandas. Na verdade, eles nunca foram um grupo de circo, apesar dos nomes e das funções bem distribuídas.
Gorky, o domador de leão é o chefe, acompanhado de seus três fies escudeiros. Ivana, a lança-facas, Budin, o palhaço e Rurik “A Aberração”.
Na maioria do tempo, o quarteto participava de pequenos assaltos á museus, mas suas experiências os fizeram querer algo muito maior. Quem sabe, trinta milhões de libras e uma fórmula quase mágica da droga que viraria a maior epidemia do mundo moderno. De fato que o grupo de circo era muito perigoso para atrair uma criancinha, além do que, o circo era um disfarce e o picadeiro um esconderijo.
- Budin! Mais que diabos de demora! Trouxe as armas? – Gritou Gorky, o chefe com sua cara toda contorcida de raiva, o bigode quase no nariz.
- Me desculpa chefinho, – toda aquela sinistres de um palhaço do mal – eu estava preparando minha maquiagem para todos os dias! Dizem que o Brasil é quente demais, sabe, sabia disso? Sabia? Onde esta Ivana? Estou com saudades da Ivana.
- Seu pedaço de ser humano, faça o favor de calar a boca e ajudar Rurik a levar as maletas todas para o avião! – Gorky se virou para o piloto – Você tem Martini a bordo?
A estratégia de Gorky era sempre a mesma. Colocar o palhaço falante-debil-mental com Rurik para um trabalho em equipe, até por que, Rurik era mudo de nascença. Assim ele não se irritava demais com aquela onda sonora com nariz vermelho. Rurik sim era um fiel escudeiro de Gorky. Quando o Jambooloski começou, Gorky visitou dezenas de orfanatos atrás de um companheiro, e, na Prússia, encontrou um menino gigante, forte, e mudo. Perfeito! Ele gritou naquele dia. O trouxe para Rússia e o ensinou a ser cruel. Todos para Gorky, não significavam mais do que o dinheiro. Isso é fato.
Um carro se aproxima nos campos congelados e em constante mudança graças aquela neve Russa que nunca para de cair aos poucos. Quase uma morte lenta. Do carro, Ivana desce.
Ao contrario dos outros dois braços de Gorky, Ivana era um cérebro a mais na equipe. E isso fazia dela uma co-pilota perfeita, já que Gorky não podia tomar todas as decisões por si, pois havia momentos no assalto que ele estava executando sua especialidade, que era o roubo de jóias. Ivana atirava facas no circo, e apesar de parecer muda como Rurik, ela podia falar. Mas falava pouco.
O avião decolou rumo ao Rio de Janeiro, eles tinham apenas algumas horas.
Mario dormiu todo enrolado na coberta suja de café que o mantivera acordado até as oito ou nove da manhã do dia seguinte, seu telefone tocou pela primeira vez as nove, ele não acordou, a carta, jogada por cima da mesa estava bem amassada.
Naquela noite, o infeliz teve terríveis pesadelos com Maria, em um desses viu a garota virar um belzebu e comer sua cabeça. Ele jamais se recordaria disso.
No boteco da esquina do alojamento, Jonas tomava seu café e lia o jornal, era um agradável começo de dia, ele pensou.
Maria não estava no seu quarto. Acordou desesperada para encontrar um amigo, John Milham era um empresário tão desconhecido quanto poderoso, um carro dele estacionou na frente do alojamento e Maria entrou nele ainda com a roupa que dormiu. Ela parecia muito assustada. Até demais.
No campus sabia-se pouco sobre Maria. Na verdade, o que ninguém sabia, é que a moça era de classe baixa, pai e mãe falecidos. A única maneira saudável de se conseguir oitocentos mangos por mês no Rio de Janeiro e usar a beleza para atrair alguns “gringos”. Sim, ela era prostituta, e das caras, meu amigo, e Milham era mais um turista idiota apaixonado pelas curvas do pão de açúcar e do traseiro de uma morena legitimamente brasileira. Pobre Mario.
Nos corredores Jonas encontrou Mario aflito. Dia vinte e cinco de fevereiro, é amanhã! Ou melhor, nessa madrugada! Ele gritava. Jonas não entendeu nada de principio.
- O que é isso? Eu sei que dia é hoje mané.
- Eu descobri, na carta, tem uma espécie de mensagem codificada, não é uma carta de amor. – grunhiu Mario, aflito.
O rosto de Jonas mudou complemente, agora ele entendeu do que Mario estava falando.
- Onde esta a carta? O que pretende fazer? E o que mais sabe sobre isso?
Mario se assustou com tantas perguntas. Mas pensou: que amigo mais especial que eu tenho! Ele pode me ajudar, afinal! Na verdade, nem Mario sabia por que seguiria as provas, talvez, depois de quase perder sua vida amorosa, agora tinha medo de ver sua imaculada Maria em perigo. É claro que era isso, oras!
- Você pode ir comigo? Quero saber do que se trata!
- Sim, eu te acompanho até lá meu bundão, o que te disseram sobre amigos já? To contigo nessa, pode crer!
Minutos depois, Jonas saia do quarto de Jonas, cordialmente como um cavaleiro, mas começou a correr assim que a porta se bateu atrás de si. Estou em apuros, merda!
No seu quarto, Jonas pegou o telefone e discou tremulo. Dois toques, uma voz.
- Você ligou para Agencia Brasileira de Inteligência, digite 1 para...
4512 foram os números discados no teclado. A voz da maquina se calou. Outra tomou seu lugar.
- Agente Jonas? – Um susto em forma de voz.
- Sou eu, agente Jonas, temos um boi na ponte Niterói hoje.
- Nome?
- Mario Silva, um colega de Maria da faculdade. O desgraçado coletou a carta antes de mim, eu não sei como o maldito conseguiu. E o bastardo tem memória fotográfica, não precisou de nenhum aparelho para decodificar. – ele conseguiu explicar, achou que não conseguiria.
- Deus! Sabe o que fazer, não sabe? – A voz se tornou séria e dominante.
- Sim senhor!
- Espero informações e atualizações nos seus relatórios.
ABIN era um grande fiasco, sejamos sinceros. É sempre bom que a verdade seja dita. Desde sua fundação, as missões dos agentes tem sido coçar o saco o dia todo ou quem sabe falar mal da Dona Margaret, a mulher dos relatórios. Uma agencia em forma de piada. Ninguém perseguia violões, nem mesmo os políticos safados roubando por ai. Mas, em um lapso de bondade, o chefe José Goulart, em seus últimos meses de vida, resolveu perseguir o grande magnata que visitava o Rio três vezes em um só semestre, era John Milham. Isso é suspeito, esse cara me cheira mal. O velho encaminhou então o recém-formado agente Jonas para a missão de interceptar informações sobre John Milham pelos próximos três meses. Jonas se matriculou na faculdade atrás de Maria, acabou chegando à prostituta favorita de Milham. Já estava em sua cola quando reencontrou seu velho amigo de escola por lá, resolveu manter as aparências, pois achou que o imbecil não o atrapalharia. Mas atrapalhou. E a organização era tão desorganizada que Jonas não tinha nenhuma pré-informação sobre a missão. Agora, ele iria levar Mario para qualquer beco escuro e dar dois tiros na boca do pobre projeto-de-seu-pai ou só mané.
Uma imensa mansão de uns cem cômodos. Era algo perto de Petrópolis, Maria pensou. E era de fato. O carro entrou, a porta se abriu. Milham estava no jardim, com seu roupão vinho.
- Oi meu gato! Maria gritou quando o viu de costas, na cadeira a beira da piscina.
- Chegue aqui, morena. – nenhum sentimento na voz. John tinha um tom insuportável e um sotaque de gringo que já tinha passado um bom tempo nas praias mais lindas do país, ele era um camaleão.
Ele se levantou, e lançou o olhar para o rosto de Maria, como jamais havia feito.
- Onde está a carta? – Ele disse rápido.
- Eu não recebi.
- Ele já me ligou sua vadia! Eu farejei a sua traição no primeiro dia! Como sou idiota! Aliás, como você é idiota de vir aqui depois de me trair. – Bufando de ódio.
- Eu não recebi chuchu, é verdade, se acalme. – ela conseguia manter a calma extrema e era isso que mais irritava John.
- Então alguém interceptou! FBI, CIA? Tem alguma agencia de informação por aqui? Nesse grande bordel?
- Não sei, mas com certeza interceptaram John.
Maria entrou, pediu um suco de limão com um pouco de cachaça já se sentindo em casa. Despejou-se no grande sofá de pelo animal. John foi tomar sua ducha.
Três ou quatro horas depois, onze horas da manhã, dois gringos, provando uma baita feijoada em pleno restaurante na beira na praia de Copacabana.
- Tudo certo com a carta? – mastigando uma orelha de porco.
- A carta foi entregue, senhor. – o outro, tomando um gole de cachaça.
De dentro do restaurante, nada se entendia, eram gringos, um árabe e outro louro. O dono do bar lembrou-se dos anúncios da TV, algo sobre a guerra do golfo, ele não se recordava bem.
O jato particular com as siglas JAMBOO pousava no aeroporto São Domingos.
O circo chegou!
Quatro – Acapaína do apocalipse.
Os dois amigos, Mario e Jonas, foram almoçar juntos, e falar mais sobre o caso.
Jonas iria executar seu plano enquanto o pobre Mario chorava sua agonia.
- Sabia que eu temi tudo no começo? – Mario falava com seu rosto escondia detrás do cardápio
Eles estavam num restaurante fast-food em plena esquina entre duas ruas com nomes de grandes políticos do país.
- Medo de que, Mario?
- Medo de você se aproximar de Maria, dos nossos colegas se interessarem por ela, de ela encontrar alguém melhor do que eu.
- Melhor do que você em que, babaca? Vocês nem foram pra cama, você me disse. – Que tom de deboche!
- Já fizeram o pedido senhores? – Um terceiro ser humano, o garçom, com seu bloco de anotações.
- Eu quero um numero três – Mario disse ainda constrangido.
- Um número dois, sem batata. – Jonas disse, esperando a resposta.
- A Batata é acompanhante especial... – o garçom foi estupidamente interrompido
- Blá, blá, blá! Não fode, ta legal? Não gosto de batata, não vou comer batata, pega o acompanhante especial e come ou enfia por qualquer outro buraco que quiser! – Jonas não parecia irritado. Cheio de razão, talvez.
O garçom retirou os cardápios e saiu. Sem pronunciar nem mais um gemido. Mario arrumou os óculos no centro do nariz e continuou.
- Você entendeu o que eu quis dizer com alguém mais especial que eu, Jonas.
- Ta bom, eu entendi! – Ou seja, não me enche, não vai fazer diferença mesmo cara, você vai morrer no final, não é?
Enquanto Jonas pensava numa maneira de ser sutil, Mario não se calava. Mesmo não prestando ouvidos a absolutamente nada, Jonas, por um segundo se apaixonou pela doçura do antigo colega de escola. O menino é um pobre coitado. Qual seria diferença dele vivo ou morto? Deus não teria misericórdia de mim. Não vou matá-lo. Não vou.
- Não vou! – Jonas pensou tão alto que disse.
- Mas eu preciso de você hoje lá, meu amigo!
- Eu disse que vou, seu mané. – Jonas sorriu, aliviado.
- Me perdoa, entendi. Não vou. – Pobre menino, você, Mario.
Cinco ou dez quilômetros dali desciam do jatinho, um palhaço barrigudo, uma moça alta de cabelos louros e bem presos num rabo de cavalo, vestida de couro vermelho, uma aberração gigantesca e um baixinho gordo com uma cicatriz no olho e um bigode digno de nojo. Era o único circo que você não ficaria feliz em ver.
- Eu quero Ivana e Budin no hotel um até meu chamado nos bips. – Gorky dizia com uma voz cansada e bêbada, de viagem movida a Martínis.
- Sim senhor! Vamos palhaço. – Ivana disse.
- Vamos sim, Ivana, vamos lá, vamos nessa. – Saltitando, Budin.
- Cale-se. – Ivana e Gorky sincronizados.
No hotel, em pouco mais de trinta minutos, Ivana já observava a ponte com o binóculo. A Rio-Niteroi.
Gorky recebeu mensagens da Amazônia, de antigos amigos russos que trabalhavam numa base de pesquisas. Um de seus companheiros de casas homossexuais, Thomas Arshav, lhe telefonou depois de anos e disse. Provavelmente, a nossa empresa descobrira a nova droga do mundo moderno, Acapaína era seu nome. O domador de leões se interessou. Mais antes que armasse um plano foi avisado do falecimento de seu amigo gay por um grupo armado do Rio de Janeiro. No jornal dizia, Grupo organizado executa vingança. Mas não era nada disso. A Acapaína cairá em mãos devassas e Gorky sabia disso. Era melhor esperar o primeiro lance.
E ele veio. Stephen Gauss, País de Gales. Dono de cem jazidas de ouro. Mas o magnata foi assassinado três dias depois de ligar para o Rio de Janeiro. Ninguém soube por quem, um homem tão bom!
O segundo veio dias depois, o telefone do proprietário do estoque, da formula e de toda a distribuição da Acapaína tocou, era Mohamed Gazin.
- Alô.
- John Milham? – O sotaque forçado de um mulçumano falando inglês.
- Sim, é ele. – com uma voz serena.
- Está disposto a negociar?
Ele estava. John não via a hora de se livrar daquela droga toda, e “encher o rabo de dinheiro”. No verão passado, contratou vinte e cinco homens na cidade de Deus para a missão de tomar e proteger a base de estudos Brasa Mora 32. Toda a Acapaína do mundo estava dentro de suas reservas.
John havia ouvido seu irmão que lhe disse, Deixa a droga valorizar, deixa a idéia chegar aos quatro cantos do mundo. Ela é barata para se extrair, tem em quantidade absurda, você sabe! Se a gente tirar toneladas dela por todo o ano, ainda duraria vinte ou trinta! Deixe que todos saibam disso, e peça o máximo que o cara pode te dar! Seu irmão morreu num acidente de carro. E ele se sentiu sozinho. Talvez, por isso procurou consolo em Maria e trouxe-a para sua casa, para seu abrigo. Logo, Maria fazia parte da missão. Logo, o telefone se chocou com a parede e o acordo estava feito. Maria receberia a carta de Mohamed codificada avisando a hora e o local da troca.
O tal Gazin não estava a passeio no Rio, nem seu parceiro. Yuri Pavel era da republica Tcheca. Ele que, fatalmente, sem que Gazin soubesse, era mais amigo de Gorky do que dele. Pavel tirou uma foto da carta-código e a enviou para seu antigo amigo Russo, antes de colocá-la na caixa do correio de Maria. Pavel planejava fugir dando o dinheiro para o circo depois de matar Gazin e John, e ficar com a posse da droga toda. O problema é que Gazin descobriu todo o plano de Yuri e depois daquele almoço pesado, uma bela feijoada na beira de “copa”, Yuri Pavel, foi encontrado com três tiros no crânio no banheiro do boteco. Pobre traidor. Mas o circo já estava lá, e Gazin não sabia.
O contato de Mohamed Gazin e John Milham seria com um acompanhante. John levaria seu irmão, no entanto, o falecido não seria um bom acompanhante agora, e como se convidasse uma dama para um baile de gala, fez o convite para Maria, e a deu uma arma carregada. Mate quem apontar algo pra mim. Ela acenou com a cabeça.
Caso não fossem tão reais, John e Maria poderiam ser algo quase como “Uma linda mulher”, ou como João e Maria procurando o caminho de casa. Não, talvez fossem mais como Tom e Jerry, quem sabe? O gato e o rato.
No atual momento, Mohamed iria sozinho. Mohamed Gazin era um homem de palavra.
Nasceu no Marrocos e morava atualmente no Cairo, Egito. Ele passou sua vida toda sonhando em escalar grandes montes pelo mundo, desde pequeno. E quando herdou a herança de seu pai, nove cidades as margens da rota do petróleo, Gazin largou a vida no deserto e começou a vida de alpinista. O fato é que ele tinha tanto dinheiro que não tinha onde enfiar. E aquilo só aumentava, e aumentava.
Durante uma escalada, quatro ou cinco anos atrás, Gazin sofreu um acidente terrível escalando um grande monte nas cordilheiras dos Andes, Argentina. Em certo momento sua corda se desprendeu, ele desmaiou na queda. Por um milhão de Alás e Jeovás! Sua corda foi apanhada há trinta metros do chão por um santo homem, Nicolai O’neil. De santo ele não tinha de nada, francamente. Mas apanhou com vontade a corda do milionário e a prendeu a si, o resgate chegou a cinco ou seis minutos.
Mohamed jurou ao diplomata inglês de sessenta anos. Sou teu servo a partir desse dia. Faria tudo para o homem que lhe deu a nova chance de viver. Mohamed esqueceu sua crença sobre o povo ocidental de vez. Nicolai poderia ter recusado, mas ele precisava de um favor. Então, por que recusar?
O favor era simples. Quero que compre um estoque inteiro da substancia que eu terei o prazer de soltar na mão dos jovens ingleses.
Eu conto a vocês o que Mohamed não perguntou para Nicolai.
Nas próximas eleições, Nicolai queria ser eleito.
Mas o atual primeiro ministro da Inglaterra era tão perfeito para o cargo que Nicolai jamais teria chances. Então, que tal algo como uma manchete dizendo: A epidemia de Acapaína derruba todo projeto social para os jovens no país. O acesso é fácil demais.
... E lá estava Mohamed Gazin, atrás de seu legado, sua sina. Custe o que custar.
Cinco – Pactos.
Mario e Jonas foram às compras.
Comprar armas, Jonas insistiu, não queria morrer. Mario não entendeu, mas aceitou. Eles subiram para a favela da rocinha ainda durante a tarde. Talvez se Mario soubesse com quem a gente esta lidando. Aquela merda de Agência nem tem armas de verdade!
John apareceu na sala e sem que Maria o percebesse se aproximou. Começou com beijos no pescoço. Depois por todo ombro. Se existia algum casal perfeito na cama era aquele! Se bem que a cama era o móvel que eles menos usavam, de fato. A tarde estava quente, os corpos muito molhados. O prazer veio como a erupção de um grande vulcão. Nada melhor que muito sexo sem nenhum sentimento ou sentido antes do dia mais importante de sua vida. Nada como deixar sua adrenalina tomar conta de seus movimentos por uma meia hora de brincadeira com uma brasileira daquele porte. Deus, Alá, Jeová, seja quem for ele, é brasileiro!
A dupla subia o morro da rocinha atrás de um tal de “cueca”, que participou de uma campanha anti-drogas na faculdade três meses. No fim, ofereceu seus serviços para o Mario. E ai cu de ferro, tu tem cara de quem curte um tóxico? “Tô” errado? Mario simpatizou com o rapaz. Quase se urinou todo quando ouviu aquilo.
E lá estava o “Cueca”!
- E ai sangue-bom! Eu me lembro de ti meu rapaz! – Ele gritou descendo o morro. Estava segurando um fuzil, Mario sentiu ânsia.
- Oi, sou Jonas ... – o galã de meia tigela foi bruscamente interrompido por Cueca.
- Você mesmo, “rapaizinho”! Aquele dia, na faculdade, eu lembro de você “mermão”. Sabia que ia voltar camarada! E ai? O que vai levar hoje? Quer da pasta, do pó? “Qualé” que é?
Mario não sabia como agir, como acontecia em quase dois terços da parte que passava longe dos livros.
- Eu quero armas! – Disse Mario. Uma coragem que nem ele sabe de onde veio. Os olhos de Jonas se arregalaram, pareciam que iriam cair pra fora.
- É! Queremos armas! – O que estou fazendo? Apoiando o Mario? Só pode ser piada!
- “Cano”? Que calibre?
- O que vocês têm ai? – Mario se empolgou, apesar de não saber o que estava fazendo.
- “Nóis” tem o que os “Pe-eme” vão ganhar de presente de natal do ano dois mil, ta ligado? – dessa vez, os olhos dos dois se arregalaram. – “Nóis” tem “china”, “russa”, “alemã”, “belga”, de tudo! Mas diz ai, qual vai ser? Assalto? Não é nas nossas quebrada não né maluco? Olha aqui cú de ferro, eu vou com a tua cara, mas se “invadi” nossa área tu leva tiro na cara “mermão”!
- Não, não, não é isso Cueca... – Mario gaguejava mais do que o primeiro contato com o pão de açúcar em forma de mulher, Maria.
- Não o que, rapaz? Mando o papo-reto ai, não to gostando disso. – O clima tava esquentando, aquilo não era nada bom para os dois filinhos-de-papai.
- É o seguinte Senhor Cueca, a gente vai matar um vagabundo que mandou uma carta romântica pra mulher do meu parceiro aqui, a gente precisa ir armado pra não dar em “zica”, sacou?
- “Talarico” na linha? Então é “nóis”! – Ufa! Os dois amigos pensaram ao mesmo tempo, Jonas prosseguiu.
- É isso ai, da pra mostrar os “canos”?
- Que “cano” que nada maluco! Irmão meu não enfrenta bandido sozinho não! “Vai” eu, o Romildo e o Pernambuco com vocês dois, vocês só vão assistir “só”. Eu vou trazer o “talarico” pro cu de ferro e ele vai se “vinga” legal, “ta ligado”?
O frio na barriga voltou.
- “Tamô” combinado? – Como uma criança comendo chuchu forçadamente os dois fizeram sim com a cabeça.
Mohamed Gazin fez um telefonema apressado para Nicolai, para atualizar o relatório com o. se por ventura fosse, futuro homem ao cargo de primeiro ministro da Inglaterra. Esta tudo nos conformes, ele disse.
Rurik e Gorky se posicionavam em dois pontos estratégicos da ponte Rio Niterói. Os dois examinariam fluxo e todas as possíveis rotas de fuga, eram profissionais.
No quarto de hotel, onde estavam Ivana e Budin as paredes quase pegaram fogo. Mas sem nenhum indicio de fogo acidental, estou falando de interesses, meu amigo.
Começamos por Ivana. Quem sabe ela, como uma mulher que atira facas, seria uma matadora de aluguel nascida em Paris que trabalha atualmente para uma organização que quer apagar todas as informações sobre aquele dia vinte e cinco? Perigosa e sem passado, mataria facilmente todos os agentes, as testemunhas e apagaria todas as provas. Essa era Ivana, saiba você.
Digamos que seus ideais não coincidiam com aquele palhaço idiota. Mas muito, além disso, não se encaixavam bem com os de Gorky, com os de John, com os de Gazin. Ivana estava contra todos. O Jambooloski foi o plano perfeito para entrar na jogada, e só ela sabe o quanto sofreu com aqueles russos.
Agora, o palhaço.
O palhaço nascera em uma região inóspita, vazia de sentimento e de pessoas, ao norte de um estado ou condado, de um país esquecido, um grande emaranhado de labirintos cujo era o ponto final, o centro, preso em si mesmo. Cresceu sozinho, via, quase que raramente outras pessoas que não sua mãe, a velha Dorothy, refugiada de guerra, cheia de traumas e frieza. Suas brincadeiras sempre foram de uma criança sozinha. Quando finalmente se mudou dessa cidade, e fez o primeiro contato com outro ser humano que não sua velha mãe calada, o mundo ganhou um novo psicopata a nível máximo. Ele seguiu Ivana atrás de mais assassinato sombrio, depois de vê-la em um banco em Moscou. Mas ao conhecê-la, percebeu que o circo precisava de um palhaço. Encontrou na peruca, no nariz vermelho, uma máscara ao seu passado. Não que quisesse se livrar dele, mas precisaria agir como nunca agira antes, quem sabe, ser outro. O dinheiro era o interesse maior agora. As mortes sinistras voltariam a ser o sentido de sua vida quando tirasse, por fim, o nariz de palhaço.
Matar Ivana ali seria um começo mais agradável de missão.
Matar Budin ali seria o começo da missão.
E a missão começou.
- Quer chá, Ivana amiga, amiga Ivana? – Saltitava daqui pra lá, de lá pra cá.
- Por favor, palhaço.
Uma faca de dentro do jaleco, genial!
Uma arma de dentro da peruca? Não! Uma granada no nariz vermelho.
BOOM!
Uma explosão do lado de fora.
A direção do hotel logo informou a polícia. Deus do céu! Temos cadáveres lá em cima!
Seis – Opostos á postos
O restaurante mais caro do Rio de Janeiro. Sete e trinta em ponto. Limusine preta parecia uma lancha. Era John Milham e Maria.
Enquanto desciam do carro, Mohamed Gazin estacionava na Ponte rio Niterói, no quilometro doze, no ponto que achou conveniente, afinal, sua fuga seria por Niterói.
Da favela descia uma grande Kombi, ela fazia muito barulho e a pintura não era das melhores. Mas o interior valia no mercado branco mais do que o imóvel do restaurante mais caro do Rio de Janeiro. Eram quarenta e duas armas diferentes, cinco homens, três carregam um sorriso de fanatismo desnecessário, os outros dois compartilhavam a mesma face de susto branco. Eles estavam a caminho da ponte Presidente Costa E Silva, ou Rio Niterói, para os íntimos.
John puxou a cadeira num ato de cavalheirismo para Maria. A morena estava com um vestido de gala, que realçava seu bronzeado e dava certo contraste com suas curvas. John num paletó elegante como sempre.
- Quer se casar comigo? – É, veio no susto para Maria, também.
- Claro que quero meu neném! – Um avião? Ela respondeu com alegria nos olhos. Mas parecia uma alegria muito além do anel que receberia.
- Esse anel simboliza muito mais que um noivado comigo. Você já é co-proprietária de tudo que eu tenho, minha morena! Mil perdões por ter desconfiado de você hoje. Isso aqui te prova meu amor, é só chegar no Brasa Mora com isso e será a rainha caso um dia eu te deixar.
- Tudo bem, meu chuchu! – Meu deus, como a voz dela era desnecessária às vezes.
- Gazin me ligou. – ele disse enquanto observava um quadro de Picasso na parede.
- Os pedidos, senhor?
Ele pediu o de sempre, lagosta gratinada á moda do chefe. Ele nunca perguntou o que ele preferia. E ela preferia torresmo de porco, mas comia quieta. Tudo que vai volta, amorzinho.
A Kombi chegou à ponte eles estacionaram num certo ponto, ato nada profissional, logo foram avistados pelo circo russo.
- O que diabos são aqueles filhos da puta ali? Aquele é o ponto indicado na carta não é? Mais que merda Rurik, por que achei que um merda feito você fosse me responder? – Uma gargalhada grotesca e nojenta.
- Escuta aqui grandalhão, suba na ponte, elimine eles logo. Devem ser alguém que veio pra cobrir um dos granfinos. Está me ouvindo? – Gritando.
Rurik acenou com a cabeça.
No jantar não houve muito papo. Como de praxe. Afinal, ali não havia nenhum tipo de afeto que não fosse sexual ou nascido da agonia de um irmão caçula sem ponto de equilíbrio de seu grande irmão. John disse sobre o telefonema de Gazin, marcando o local e mesmo sem a carta tudo se acertou. John se preocupou com o destino da carta-código no inicio. Mas quem diabos iria conseguir decifrar uma carta daquelas? ABIN? Nem em brincadeira!
Num outro extremo, alguém observa todos. Observa a grande barriga de Gorky e Rurik, observa o carro de Gazin e a Kombi de “Cueca”. Era o sobrevivente do grande duelo no hotel. Um bip toca, é Gorky avisando para Ivana ou Budin moverem-se. Um bip toca no hotel, o outro toca alguns metros dali. Ivana está morta. Budin está ali! Budin está aqui!
No instante exato em que a lança-facas tirava suas adagas mortais do colar o palhaço já estava sem seu nariz, a fumaça já tinha tomado conta da metade do quarto. Ivana pela primeira vez em vinte anos de circo errou o alvo. Budin acertou três tiros com sua espingarda de tiros explosivos. A moça caiu em forma de três grandes pedaços. O primeiro carregava sua cabeça, o segundo seu braço direito e parte do torso, o terceiro era a outra metade do torso e as pernas e o braço esquerdo.
Na ponte, estavam todos á postos.
Sete – O circo acabou
A lua começava a enjoar do céu de Ipanema quando a limusine de John Milham recebeu novamente seu anfitrião, dessa vez, rumo à ponte entre sua vida antiga e sua nova vida ao lado de Maria.
Lá estavam eles. Da Rússia, de outros países, do próprio Brasil. Mas no fim, todos tinham um objetivo. Um desejo, uma chance de mudar sua vida para sempre, mas consigo a chance de nunca mais poder voltar para casa, ou para qualquer outro lugar que apreciassem estar.
Gazin está olhando seu relógio, completamente tomado pela impaciência. Além do fato do marroquino odiar esperar, depois da matar Yuri ele tem tido alucinações estranhas com o rosto do ex-parceiro de rabo-de-cavalo. Não vê a hora de pegar seu vôo de volta para o Cairo e esperar a ligação de Nicolai. Não vê a hora de um banho, que teria quase que um poder mágico. Ah, se teria!
Ainda Gazin, ele ouve tiros, três disparos.
É Rurik, o grande.
- O que você fez? Pedaço de ser humano? – Gorky já vomitava sangue. Sim, o gigante babão tinha acabado de atirar em seu grande chefe.
- Eu “ser” mais humano que você gordo “bixa”! – Sim, Rurik podia falar. E era algo como um sentido privado durante tantos anos, sua voz era de uma misericórdia abissal em forma de som.
- Para quem... Você “traba”... Diabos! – Gorky caiu no chão
- Ivana, chefe! Ela me propôs algo muito mais interessante do que você. Sou servo de Ivana, com muito prazer. – Ele já recolhia a arma para dentro do macacão.
Gorky não conseguia mais pronunciar nenhuma palavra.
Rurik abandonou o antigo chefe caído no asfalto num ponto distante á leste da ponte. Logo, o gigante correu em direção ao ponto que combinou com Ivana. Lá os dois avançariam juntos á negociação. No entanto, encontrou-se com alguém que não esperava ver. O palhaço!
- “Shi”, “shi”, “shi”, garotão! Onde está! Fique ai onde está. – Budin já apontava a arma. A espingarda amarela.
- O que... Você fez com Ivana? Não era pra você estar aqui palhaço maldito! Filho de um demônio!
- Opa! Quem faz as perguntas agora sou eu! Se quiser saber da sua Ivana vá ao crematório de indigentes amanhã pela manhã. “Ops”, amanhã você não pode. – O palhaço pôs a mão na boca, como se estivesse espantado.
- Maldito! – Disse o Rurik prevendo o que viria.
- Amanhã estará morto. – Quatro disparos, dois certeiros. Na escuridão total de um trecho sombrio da ponte Rurik caiu.
O circo acabou! O circo acabou crianças.
Mas a noite só estava começando.
No exato momento do último disparo, o de Budin em Rurik, John e Maria desciam de sua grande limusine de um lado da encruzilhada da ponte. Do outro lado, Gazin com sua maleta de papéis de câmbio e dinheiro vivo, libras!
Do outro lado, o oposto de onde Gazin estava parado, com cautela, andavam Mario e Jonas para observar de mais perto o que estava acontecendo. Jonas já sabia muito bem o que era.
Os três traficantes descem atrás dos disparos do outro lado da ponte.
- Vocês dois ficam ai, sacou? Ninguém sai dando “pipoco” por aqui sem minha autorização!
Pernambuco, Cueca e Romildo são desmaiados por uma granada de gás de Budin e em seguida, amarrados. Fácil, fácil, fácil, fácil.
O palhaço ainda pode divertir.
Oito – Herança dourada
Um único instante. Todos expostos, por um instante.
Jonas segurara Mario pelo braço. O olhar era de agonia. Maria destravara a arma que John lhe dera. Budin, no ponto mais alto da ponte caminhara em direção a grande limusine. Gazin ficara pálido de ânsia nervosa. John aconselha Maria para ficar no carro. Amor me espere aqui, quando entrar de novo nesse carro, serei um dos homens mais ricos do planeta.
Aquele ar nojento de gringo megalomaníaco, um beijo no pescoço, daqueles melados que faziam Maria sentir certo desgosto e até nojo de John, o brega. Maria esperaria trinta segundos para fazer o primeiro disparo nas costas do amado. Salazar .45 com silenciador, perfeita para ataques internos em ambientes pequenos, mesmo que, dificilmente o motorista tivesse ouvido algo, essa pequena hipótese lhe custou a vida, segundos depois de John cair no estofado do carro em completa angústia e desventura amorosa, Maria disparou de novo, dessa vez em direção a nuca do chofer de John , disparo fatal. O primeiro disparo, o em John não fora fatal, Maria não ficaria em paz consigo se viesse um homem der o ultimo suspiro se sentido traído. Ela puxou para si o antigo amante, queria lhe sussurrar algo.
Enquanto John e Maria se despediam para sempre, Gazin, do lado de fora do carro, de frente para a grande limusine esperava sem fazer a mínima idéia do que acontecera ali dentro. Mario e Jonas ainda se fitavam Mario já tinha repetido quatro ou cinco vezes. O que foi Jonas? O que houve?
Até o momento atual, todos os planos, até mesmo os calculado há décadas para a grande roubada, haviam, de certa forma, falhado, de forma que, cada um, estava além de só, contra outros interesses não-calculados no plano inicial. Era uma grande roleta da sorte, para Maria, para Jonas, para John, para Gazin, para Mario, mas não para Budin.
O palhaço calculou a possibilidade de outros terceiros interessados, se preparou para tal, para ele, era pretensão demais pensar como Gorky pensou. Vamos para lá, chutamos os traseiros deles e voltamos. Ricos! Budin aguardaria o grande momento. Aquele que todos revelariam suas faces ocultas por detrás da máscara para saber como agir, quem ele eliminaria e quais, por fim, eliminar-se-iam.
Gazin, o marroquino de muitas terras influentes na zona negra do petróleo trazia para aquela data - somando os títulos de cambio, as notas em libra em números fora de seqüência, trinta milhões. Foi o valor acertado com John pelo telefone. Deste valor, Nicolai não dera nem um centavo, era de total embolso de Mohamed Gazin.
Jonas respondeu Mario, finalmente.
- Foge daqui vai seu mané, dá o fora! – Incrivelmente era uma maneira carinhosa de falar com seu amigo de infância.
- Fugir? Do que você ta falando? - Mario arregalou os olhos.
- Você não sabe de nada, cara! A Maria, sua amada, está matando o cara ali, dentro do carro agora. Eu trabalho para a ABIN desde meus dezenove anos e estou em missão. Você nem devia ter interceptado o sinal, a carta.
O silencio total de pânico tomou os olhos por detrás de óculos.
- Agora, dá o fora. Eu te trouxe aqui para dar cabo na sua vida, mas eu to fazendo isso pelos velhos tempos, eu gosto de você, Mané. Vou te dar mais uma chance de viver!
- Eu não vou a lugar nenhum! – Ninguém. Nem Mario sabia dizer de onde saiu àquela coragem. Ou seria burrice? – Eu não vou abandonar isso agora, não me interessa no que “vai dar”, eu quero participar.
Jonas sacou a arma, precisava agir rápido. Um disparo no pé de Mario resolveria.
Resolveu.
Dentro da limusine versão Deluxe Pearl, John deitado no colo de Maria, a hemorragia já comprometia boa parte dos órgãos.
- Meu neném, obrigado por tudo. – Ela disse.
- Sua vadia, você era a última que podia me trair. A última pessoa que eu confiava nessa grande merda de mundo! – Em tom baixo, calmo, com um certo esboço de um sorriso.
- Não se pode confiar em ninguém. Seu irmãozinho sempre te disse isso, você nunca o ouviu. Esse sempre foi o seu problema. – Ela falava como se conhecesse ele e o irmão há anos.
- Não ouse falar do meu irmão. – os dedos dele, com o muito esforço tocaram a boca dela, e foi assim que ele deu o ultimo suspiro, segurando com toda a força que pôde uma boca profanando contra seu irmão. Algo digno de um grande irmão, que finalmente cumpriria o prometido há vinte anos. Um dia, sou eu que vou te proteger! De John para Jason.
Jonas chegou ao encontro disparando. Maria, no susto, se abaixou tocando os seios, quase a mostra na bata de seda, na boca do recém-morto John. De longe, mas em distâncias diferentes, Budin e Mario assistiam a grande roubada, mas eram somente os dois que sabiam que não seria aquele o fim da história.
O corpo de Gazin caiu ferido por todo o pente da arma de Jonas, o dinheiro banhou o chão da ponte.
Foi tudo demasiadamente rápido. A reação de Jonas, os disparos, a morte de mais um dos negociadores, uma mudança de lado de Maria. Seria o momento do grande combate agora? Duas das mais potentes mentes envolvidas se confortariam?
Se não pode vencer o inimigo, alie-se a ele.
Um tanto clichê, mas resolve quando se tem um caso amoroso no meio. Sim, inimigos também amam!
Jonas e Maria se conheceram um dia antes daquele dia em que Mario se apaixonou pela moça. Jonas sim era o amor de Maria, o indomável, frio interno de ter e pode-lo perder a qualquer momento fazia de Maria uma escrava do ex-agente. E é disso que uma mulher fatal daquelas precisa! Jonas, por sua vez, via em Maria uma saída de toda aquela vida sem pretensão que ele tinha sido tragado para dentro como um redemoinho te traga em alto mar. A proposta foi feita á Jonas e ele não aceitou de cara. Pensou e decidiu ali, com aqueles tiros em Gazin que iria fugir com Maria ao invés de prendê-la em nome de seu país.
O chefe, José Goulart, não iria gostar de saber disso. Mas a morte não o deixaria saber. O ataque cardíaco do velho viria dali a algumas horas, logo pela manhã após receber a notícia que seria avó de sua filhinha querida de doze anos. Sim, doze anos! Filho do qual ele também era pai.
Ao levantar-se da posição de proteção com uma expressão de nojo pelo contato com o cadáver, Maria se aliviou ao ligar os fatos e entender que seu grande amor tinha escolhido ela no fim das contas.
A fuga seria na limusine. Aeroporto Santos Dummont pista três, jato particular direto para a Austrália. Oceania, longe das metrópoles, Jonas e Maria escolheriam a dedo seus clientes e aproveitariam bem seu dinheiro. Não tinha como dar errado.
Só uma grande palhaçada poderia estragar tudo.
9 – A última trapalhada do palhaço
Jonas e Maria não trocaram palavras. Jonas abriu a porta da direita, oposta a Maria e jogou o corpo de John Milham ao asfalto, deu um beijo nos lábios carnudos da morena e tratou de conferir se a aliança estava no seu dedo, o fez em segredo, num instante, afinal, aquilo poderia ofender a moça. Sorriu e foi para direção da grande lancha, ou melhor, limusine.
O corpo do motorista logo também foi jogado do carro. O sangue cobria o volante. Jonas prendeu a respiração e ligou o carro.
Nesse momento, Mario se rastejava para um telefone público. O palhaço Budin tinha certeza que aquela era a sua hora.
Dentro do carro morava uma grande tensão que só deixaria de existir quando os dois embarcassem finalmente ao jato particular que Maria herdou junto com a pequena fortuna dos Milham. O vidro que dava ao motorista foi aberto, Maria desabafou. Você está bem meu amor? Jonas respondeu que sim, que era para ela se acalmar. A limusine voltava para o Rio de Janeiro pela ponte.
Budin havia dado partida no carro de Gazin e já estava a seguir o casal na limusine a alguns minutos, de farol apagado.
A barreira que mantinha a ponte vazia graças ao plano de Gorky de interdita-la foi quebrada nesse momento pela policia que havia sido chamado depois de uma pequena confusão entre os motoristas que esperavam para voltar do Rio para Niterói. Agora já podia se ver o trafego de faróis se aproximando. Budin ligou o farol e se aproximou da limusine, o fez, pois achou que não seria percebido.
Ao se aproximar demais, Jonas desconfia e acelera. O palhaço faz o mesmo e o clima fica pesado. Maria aperta os dedos das mãos quando Jonas diz que estão sendo seguidos. Logo, o primeiro disparo em movimento. Maria se abaixa e carrega a pistola.
Enquanto isso, Mario avisa os paramédicos de sua condição pelo telefone público.
Mistérios são tão importantes em uma grande história de grandes dias e grandes roubadas quanto os personagens singulares, e o mistério irrevelável daquela noite foi o grande acidente na Avenida Rio de Janeiro. A limusine de John Milham, pilotada, curiosamente por Jonas, acompanhado de Maria capotou violentamente a mais de cento e setenta quilômetros por hora. O carro que vinha atrás, juntamente com mais três veículos entraram no acidente, todos estes, casos fatais.
10 – O Veneno dos ciúmes
Mario é resgatado por um carro de ambulância com dois paramédicos na Ilha da Conceição, a expressão do paciente era de seriedade demais para uma simples vitima.
A seriedade vinha da confiança...
O carro dos paramédicos cujo salvou Mario recebeu outra chamada de urgência. Avenida Rio de Janeiro, acidente grave.É caminho para vocês voltarem ao hospital. Passem por e ajudem, são muitos feridos, deus do céu!
... A confiança de um tolo apaixonado? Não.
Mario Silva e Silva descobriu sobre a conspiração da Acapaína cinco anos antes do grande dia vinte cinco. Foi nos papéis que seu velho pai guardava nos arquivos da família que lhe fez descobrir a grande chance de mudar seu destino para sempre. Nos papéis, que seu pai jurou a um amigo guardar em segredo para sempre, existia a explicação exata sobre a planta, suas características e o que a tornava uma droga com possíveis níveis alucinógenos.
Manteve a fachada, matriculou-se na mesma faculdade de Maria para seguir seus passos, acompanhar o grande empresário por trás da extradição da Acapaína, John Milham. Rastreou de perto Jonas. Já sabia da traição dos dois para John antes mesmo de conhecer Maria pessoalmente. Logo, conseguiu a proximidade no amor cego e na admiração, para envenenar Maria e Jonas.
- Você vai beber isso mesmo? O que tem ai, afinal?
Eles, Mario e Maria, tomaram café na manhã seguinte.
Eles precisam estar imobilizados amanhã, quase mortos.
Procurou na internet a substância buscou-a com um químico importante na mesma noite, era um veneno aplicado na ditadura militar chamado de “o veneno do ciúmes”. Ele congelava completamente os movimentos. Perfeito para aplicar durante interrogatórios.
Roubou-lhes a carta-código-romântica para estar presente no dia.
Fingiu ciúmes para que Jonas acreditasse em sua vontade de estar na ponte, e poder agir. Mas não sabia sobre o circo e seus planos começaram a falhar quando Cueca e seus capangas foram capturados. O plano era usá-los de escudo. Por ventura o circo se auto-destruiu antes que pudessem complicar sua vida. O veneno não fez efeito na hora certa, mas havia de fazer, e fez.
Maria abaixou-se para carregar o pente mais nunca mais se levantara novamente. Todos seus sentidos já haviam sido completamente entorpecidos pelo efeito da substância que fez a sinapse naquele exato momento. Jonas demorou alguns minutos para sentir o clímax do efeito, mas logo sentiu seus movimentos congelados e seu braço, num último movimento involuntário e brusco puxou o volante para a direita a setenta quilômetros por hora. O carro capotou na Av. Rio de Janeiro a vinte e três quilômetros de Mario.
O carro dos paramédicos, o mesmo que socorreu Mario, chegou ao local do acidente entre Budin, Jonas, Maria, Estela, Cabrini, Marcos Paulo e mais treze vitimas que seriam fichadas no dia seguinte na categoria óbito. No entanto, as duas únicas mortes que foram relatadas com sinais de ataques cardíacos foram a de Jonas e Maria.
Paramédicos, bombeiros são sempre pessoas de bem, é triste pensar que as vezes elas tem de morrer. Mario pensou antes de abrir a porta da ambulância. Os corpos dos paramédicos já estavam caídos do lado de dentro.
Ele saiu como um paramédico do carro, vestido com tal e mancando com um curativo sobre o pé.
Em meio ao cenário caótico do acidente entre muitos carros, em meio às ferragens, aos gritos de desespero e da alta temperatura dos motores, Mario foi rápido e preciso.
Tratou de pegar o dinheiro nas maletas da limusine capotada, amostra da Acapaína e o anel de noivado de Maria que estava imobilizada nas ferragens com a mão esquerda do lado de fora. Maria teve um desmaio de espanto ao vê-lo, foi sua ultima visão em vida. Seguiu para o mar, o guarde-reio, que limitava a avenida e o alto mar. Mas antes, voltou às ferragens da limusine e disse a Jonas com um sorriso enfim, verdadeiro.
Boa noite, Mané!
Epílogo
Mario Silva navegou durante toda a madrugada pela Bahia de Guanabara para uma ilha esquecida no oceano atlântico sul com a mesma lancha que pescava com seu velho pai nos fins de semana. Levando consigo um anel de ouro, uma pequena amostra da descoberta do século da química e trinta milhões de libras.
Malandro é o cara que sabe das coisas
Malandro é aquele que sabe o que quer
Malandro é o cara que “ta” com dinheiro
E não se compara com um Zé Mané
Malandro de fato é um cara maneiro
Que não se amarra em uma só mulher...
Já o “mané” ele tem sua meta não pode ver nada que ele “cagueta”.
”Mané” é um homem que moral não tem
Vai pro samba, paquera e não ganha ninguém
Está sempre duro é um cara azarado
E também puxa o saco prá sobreviver
“Mané” é um homem desconsiderado
E da vida ele tem muito que aprender...
Malandro é malandro e “mané” é “mané”, diz ai?
Pode crer que é!
Marcel S.